terça-feira, 26 de março de 2013

Feliz Páscoa!!!

E traziam-lhe também os meninos, para que ele lhes tocasse; e os discípulos, vendo isto, repreendiam-nos.
Mas Jesus, chamando-os para si, disse: Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais, porque de tais é o reino de Deus.
Em verdade vos digo que, qualquer que não receber  reino de Deus como menino, não entrará nele.
Lucas 18:15-17

Que sejamos assim, puros de corações, e singelos ao falar do amor de Cristo por nós.
FELIZ PÁSCOA!!!
Naquele que verteu seu sangue por nós,

Renata.


terça-feira, 5 de março de 2013

As mulheres como propriedade privada no Antigo Israel - parte II


 
Violência contra as escravas

Existem em nosso estudo quatro tipos de mulheres escravizadas: as escravas domésticas, as escravas concubinas, as escravas temporárias e as filhas feitas de escravas.

As escravas domésticas

 Geralmente eram mulheres estrangeiras compradas como escravas, ora para ajudar nos trabalhos domésticos (dadas como presentes à esposa do senhor das terras), ora para dar em casamento a algum servo temporário com o propósito de fazê-lo escravo permanente. Agar, por exemplo, era escrava de Sara e foi feita concubina não por seu ʼadon Abraão, mas pela esposa deste. (Gn. 16:6).

As escravas domésticas eram vistas como desqualificadas socialmente por serem extremamente pobres. Esse tipo de escravidão era altamente lucrativo, pois os filhos de tais mulheres também se tornavam propriedade do senhor, virando assim, patrimônio ou moeda dele.

Outra forma de se obter escravas domésticas era através de despojos de guerra, como no caso dos filhos de Jacó quando saquearam Siquém (Gn 34:25-29)

Além da subjugação das mulheres estrangeiras na guerra, muitas vezes ao conquistar a cidade inimiga, as mulheres sofriam estupro em comemoração, como forma de humilhação aos derrotados.

Contudo, tais mulheres embora não possuíssem grandes recursos e muito menos direitos, não deixavam de lutar contra os maus-tratos, o que muitas vezes acabavam por gerar maior violência contra elas. O ambiente é de constante conflito entre os senhores e as escravas domésticas.

No livro de Êxodo temos “a escrava” descrita por ʼamah que significa escrava do homem, embora tenhamos visto que muitas vezes, as senhoras eram “presenteadas” com escravas domésticas, como é o caso da esposa de Abraão.

A escrava deixa neste caso de ser um ser humano e é tratada por seu proprietário como uma coisa, um bem, assim como o gado. Tais mulheres são castigadas com vara ou bastão, e o nível de violência a elas infligido é tão aterrador que chega muitas vezes à morte.

Se alguém ferir a seu servo, ou a sua serva, com pau, e morrer debaixo da sua mão, certamente será castigado;
Porém se sobreviver por um ou dois dias, não será castigado, porque é dinheiro seu.
                                                                                                                                     

                                                                                                                                      Êxodo 21:20-21

 

E quem será capaz de vingar uma escrava estrangeira? Uma mulher que foi capturada na guerra? Uma menina pobre que foi vendida? A escrava doméstica está dentro da hierarquia patriarcal como a última dos últimos.

Os filhos das escravas

Assim como os corpos das mulheres, os frutos de seus ventres também pertenciam ao senhor. Desta forma, as crianças eram transformadas em fonte de lucro, pois quanto mais filhos, mais escravos e maior patrimônio do dono.

Quando uma mulher era dada por esposa a um servo (escravo temporário) isso era feito de maneira premeditada, pois após o término de seis anos, ou melhor, tempo de prestação de serviço, o servo deveria escolher entre a liberdade ou a família.

Mas se aquele servo expressamente disser: Eu amo a meu Senhor, e a minha mulher, e a meus filhos; não quero sair livre, então seu Senhor o levará aos juízes, e o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e seu Senhor lhe furará a orelha com uma sovela, e ele o servirá para sempre. Ex. 21: 5-6  

 

As escravas concubinas

As escravas poderiam somente ajudar nos afazeres ou então serem transformadas em concubinas e neste caso, além dos afazeres domésticos deviam também manter relações sexuais com o ʼadon.

As mulheres no livro da aliança, segundo êxodo 19, 20, 22 e 23, não possuíam direito nem sobre a sexualidade e nem sobre a reprodução de seus corpos. Contudo, a escrava concubina possuía um poder diferente da escrava doméstica, pois se não fosse atendida em seus direitos básicos (alimentação, vestes, direito conjugal) podia recorrer e pedir liberdade.

Se ela não agradar ao seu senhor, e ele não se desposar com ela, fará que se resgate; não poderá vendê-la a um povo estranho, agindo deslealmente com ela.
Mas se a desposar com seu filho, fará com ela conforme ao direito das filhas.
Se lhe tomar outra, não diminuirá o mantimento desta, nem o seu vestido, nem a sua obrigação marital.
E se lhe não fizer estas três coisas, sairá de graça, sem dar dinheiro. Êxodo 21:8-11

 

O concubinato era um nível intermediário entre a dependência da mulher no matrimônio e a total escravidão. A mulher, neste caso, sofria dupla violência, pois não podia escolher a quem se entregar, e ao mesmo tempo sem um homem (senhor, marido, pai) não era “ninguém”. Em êxodo 21 vemos um claro exemplo da “coisificação” da mulher: [...Porque é dinheiro seu.

Escravas temporárias

Com a questão dos saques, roubos de gado e destruição das plantações, muitas pessoas se viam empobrecidas e obrigadas a se “vender” temporariamente, a fim de pagar sua dívida.

Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre, de graça.

Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era homem casado, sua mulher sairá com ele. Êxodo 21: 2-3

 

Se a mulher fosse escravizada com seu esposo, essa estaria liberta ao fim do período por ser propriedade do marido e não do senhor. A liberdade, assim como a sexualidade era o sistema de troca do período. Contudo, as escravas temporárias possuíam uma “liberdade” maior que as escravas domésticas, pelo fato de estarem escravas e não serem escravas. Elas sabiam de suas condições e direitos mediante o livro da aliança e por tal motivo não se deixavam subjugar facilmente.

O livro da aliança diz que se tais mulheres sofressem violência física poderiam sair antes do tempo previsto. (Ex. 21: 26,27). Pois eram filhas da terra e não estrangeiras como a maior parte das escravas. E por não se submeterem totalmente aos senhores, era muito comum sofrerem violência física. Geralmente a agressão era no rosto, ferindo os olhos ou quebrando os dentes, como ocorreu com Bilah, concubina de Jacó, que teve seus dentes quebrados por se deitar com Ruben, filho de seu senhor.

Filhas transformadas em escravas

Como a riqueza do período era medida por gado e terras, o casamento acabou por se transformar num negócio, tanto para continuação da linhagem, como fonte de lucro.

Ter um filho homem em tal época era altamente lucrativo, uma vez que ao se casar o mesmo herdava o dote de sua noiva. Em contrapartida, ter uma filha constituía verdadeiro prejuízo financeiro, principalmente nas famílias menos abastadas.

Assim, se o pai não tivesse dote a oferecer ao pretendente de sua filha deveria ceder parte do seu patrimônio. E como muitas vezes o pai possuía uma única propriedade, se via obrigado a vender uma das filhas como concubina para poder oferecer o dote a um noivo de posses que pudesse casar com outra filha, continuando assim o nome da família. Muitos senhores ainda compravam as filhas de outros para serem concubinas de seus filhos.

Quanto menor a menina, maior o valor econômico que a mesma possuía. Desta forma, muitas eram vendidas ainda crianças. A sexualidade era uma grande moeda a ser negociada.

Há grande diferença entre homens e mulheres no AT. Um homem ao se fazer escravo, para pagar dívidas, estaria livre após o período de seis anos, entretanto, uma filha negociada por seu pai jamais deixaria a condição de escrava. (Ex. 21:7)

E se um homem vender sua filha para ser serva, ela não sairá como saem os servos.
Êxodo 21:7    

O pai ao vender a filha, vende “os serviços sexuais da menina”. O concubinato desta forma é a total degradação da mulher. Um verdadeiro ato de “estupro consentido” por aqueles que deveriam zelar por suas filhas. A mulher é constantemente humilhada... ultrajada e menosprezada no Israel pré-monárquico.

Em Juízes 19:1-30 temos um exemplo claro de um velho que para proteger a um levita ao qual o mesmo tinha dado abrigo, oferece aos homens da cidade a concubina do levita e sua própria filha virgem, dizendo:

Não, irmãos meus, ora não façais semelhante mal; já que este homem entrou em minha casa, não façais tal loucura.
Eis que a minha filha virgem e a concubina dele vo-las tirarei fora; humilhai-as a elas, e fazei delas o que parecer bem aos vossos olhos; porém a este homem não façais essa loucura. Juízes 19:23-24
                                                                                                                                                         

 Desta forma, as mulheres são oferecidas para aplacar a fúria dos homens. São feitas de “oferta pacífica” a fim de preservar a vida do levita.

Filhas Seduzidas

Não bastasse toda violência, ainda temos os casos das filhas seduzidas. Em muitas ocasiões a betulah (virgem) ainda nem havia sido oferecida em casamento de tão menina que era.

Êxodo 22: 15,16 nos exemplifica tal questão. A sentença do verbo pth (seduzir, induzir) que se encontra no piel dá o significado de persuadir de modo sedutor, referindo-se a própria pessoa. O que nos indica contextualmente que a betulah foi enganada, desencaminhada por seu algoz.

Devemos entender que quando em alguma passagem bíblica encontramos o verbo shkb (deitar-se) este está se referindo ao ato sexual e está no sentido de perversão nas relações sexuais, tratando-se, portanto, de relações ilícitas (Ex. 22:17, Lv 18:22, Dt. 27:21), pois no caso das relações lícitas, geralmente os verbos empregados são conheceu, entrou.

Nesta situação o pai da virgem deflorada, como seu proprietário, teria duas alternativas:
  1. Entregar a filha a seu estuprador, ganhando o dote da mesma, como ocorreu com Dinah filha de Jacó (Gn. 34);
  2. Receber o valor pelo hímen retirado de sua filha, e ainda assim não entrega-la ao seu violador. Uma vez que tal ato constituí prejuízo econômico ao pai, pois a "mercadoria de sua casa foi danificada". Entretanto, neste caso a menina ficaria em desgraça, pois não mais constituiria matrimônio. 

Em ambos os casos, era comum culparem as mulheres pela violação sexual sofrida. Não bastasse toda violência, tanto física quanto psicológica, tais mulheres ainda sofriam com a degradação moral e social, pois a culpa por não ter conseguido guardar sua pureza, sofrendo dessa forma estupro, era sua e não de seu agressor.

Devemos entender que numa sociedade patriarcal a sexualidade e reprodução da mulher são vistas como patrimônio do homem (pai, marido, senhor) e a violência sexual por ela sofrida é uma afronta ao seu senhor, pois o corpo da mulher não a pertence, é moeda econômica e fonte de lucro, assim como o gado.

Claro exemplo da negação dos direitos femininos é a passagem na qual Ló, para proteger os mensageiros, oferece aos homens de Sodoma, a virgindade de suas filhas, mesmo sabendo que tal ato faria com que elas caíssem em desgraça. (Gn. 19:8)

As mulheres não têm voz e nem vontade, estão totalmente subjugadas à vontade de seus proprietários.

Quando Amnom forçou sua irmã Tamar a se deitar com ele, essa ainda tentou argumentar, dizendo para que não o fizesse, pois cairia em desgraça para sempre e ainda teria o nome de seu pai, Davi, envergonhado. Mas, a animosidade de Amnom para satisfazer-se sexualmente falou mais alto que as súplicas de sua irmã e segundo o relato bíblico (2 Sm. 13:1-22), Tamar após ser violada teve sua voz silenciada e prosseguiu até o fim de seus dias, solitária na casa de Absalão.

Assim, verificamos que só duas saídas eram possíveis para tais mulheres: casar-se com seu estuprador e ter que olhar diariamente para aquele que a deflorou e que “por se deixar ser violentada”, muitas vezes era maltratada pelo próprio marido-estuprador, pois se ele a deflorou foi por culpa dela própria. Ou então, a mulher violentada caía no esquecimento, por não haver como perpetuar o nome da família. Pois uma mulher violada jamais contrairia matrimônio. E por não ter conseguido guardar “o investimento monetário” do pai, tal menina não era digna de sua família, principalmente se esta não fosse detentora de posses. Por tal razão, muitas dessas mulheres brutalmente violadas, não vendo perspectiva, acabavam por se prostituir, pois sofriam discriminação dentro do próprio lar.

Além da escravidão, outro grupo de mulheres sofria constante opressão: as feiticeiras. Contudo tais mulheres eram independentes, e não se deixavam dominar. E tal fato era uma verdadeira pedra no sapato, ou melhor, nas sandálias dos homens do Antigo Israel.

As mulheres feiticeiras

Temos que entender que todo povo de Israel nessa época adorava diferentes deuses. Eles ainda estavam tentando compreender o EU SOU que os livrou do cativeiro e dessa forma, a prática da feitiçaria não constituía propriamente um problema para os israelitas, a não ser pelo fato da independência dessas mulheres. Tanto é verdade que a “caça as bruxas” só foi realizada contra as feiticeiras e não contra todos aqueles que praticavam feitiçaria, dentre esses muitos homens. Muitas feiticeiras também desempenhavam papel de parteiras e por isso eram muito solicitadas e até prestigiadas dentro da comunidade.

Assim como ocorre no Brasil, o Israel tribal vivia num sincretismo religioso e as práticas de magia eram consideradas normais naquele sistema, ainda mais, porque tais povos sofreram influência religiosa de outras nações, como, a Cananéia, a Assíria, e a Babilônica.

Pesquisas arqueológicas trouxeram à luz vários esquemas mágicos como: tabuinhas de execração com maldições contra o inimigo, porque se acreditava que as palavras de bênçãos e maldições tinham um poder mágico. Há pequenas estatuetas com mãos e pés amarrados, através das quais se amarravam o inimigo com o aprisionamento, a doença ou a morte. Há muitos amuletos com pérolas azuis contra o mau olhado, pequenas mãos de prata para proteção de crianças e símbolos de deuses e demônios para garantir a proteção. (Georg FOHRER, Historia da religião de Israel, p. 188).

 

Ao confrontar Ex. 22:17,18 com Ex. 7,11, de diferentes versões bíblicas, verificamos que a tradução das palavras que tem como raiz kshp, dependendo da pessoa a quem se refere (se homem ou mulher) a interpretação será diferente. Se for aplicada ao sexo feminino a tradução será feiticeira, mas se estiver referindo-se ao sexo masculino, então será traduzido por sábio, ou encantador. Deixando-nos claro, a ideologia patriarcal presente no texto. À mulher cabe uma carga pejorativa, enquanto que ao homem um enaltecimento do sacerdócio.

Assim, podemos verificar que foi no santuário que emergiu a questão contra as feiticeiras (Ex. 23:19). As mulheres feiticeiras constituíam uma ameaça para os homens, pois atuavam de forma independente. Era de dentro de suas casas que executavam suas poções, seus encantamentos, ou então na casa das gestantes as quais elas ajudavam no parto.

Tais mulheres possuíam grande prestígio para com as outras mulheres, pois a mortalidade infantil era muito alta naquele período e as grávidas recorriam às feiticeiras para que nenhum mal sobreviesse a seus filhos, sendo por meio da grande experiência como parteiras ou através de poções para um bom parto.

E foi exatamente essa autonomia e prestígio dentro do clã que fez com que os sacerdotes perseguissem tais mulheres e não o fato delas invocarem deuses domésticos.  O que o poder patriarcal queria era se apropriar e subjugar não só as feiticeiras, mas toda e qualquer forma de independência feminina.

Concluindo...

Infelizmente a questão da violência e opressão contra as mulheres não é uma exclusividade do Antigo Testamento. Nos dias atuais embora a mulher tenha conquistado espaço, ainda vemos muita brutalidade contra o sexo feminino e grande parte dessa violência ocorre no espaço doméstico, por aqueles que deveriam protegê-las.

O decorrer da história feminina é de constante luta e empenho para se fazer ouvir, pois não cabe mais a máxima: a mulher que tu me deste me deu do fruto e eu comi.

Jesus há muito deixou clara a importância feminina. Pois mesmo vivendo num ambiente patriarcal cercou-se de mulheres em seu ministério, enaltecendo o sexo mais desprezado: Marta, Maria, a mulher do fluxo de sangue, Maria Madalena, Maria sua mãe e tantas outras...

Sempre procurou fazer do menor o maior e desta forma fez de uma menosprezada uma das suas maiores seguidoras, inclusive transformando essa mulher de prostituta à Maria Madalena, serva de Cristo e  testemunha ocular de sua ressurreição.   

O que o homem tentou tornar vil, Deus enalteceu de forma tremenda, derramando sua graça.

Naquele que se fez homem e fez questão de nascer de uma mulher,

Paz seja convosco!

 

 

Bibliografia

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional. Paulinas, Nova Edição Revisada, 1998.

CHOURAQUI, André.  A Bíblia: Nomes (Êxodo).  Rio de Janeiro: Imago, 1996.

DREHER, Carlos Arthur. O livro dos Juízes. São Leopoldo: CEBI, 1995. ( A palavra na vida, 87).

VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003.

PIXLEY, George V. Êxodo. São Paulo: Paulinas, 1987. (Grande Comentário Bíblico)

CROATTO, José Severino. Êxodo, uma hermenêutica da liberdade.  São Paulo: Paulinas, 1981.

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos: dos primórdios até a formação do Estado. Petrópolis/ São Leopoldo: Vozes/Sinodal, vol. I, 1997.

------------------------História de Israel e dos povos vizinhos: dos primórdios até a formação do Estado. Petrópolis/ São Leopoldo: Vozes/Sinodal, vol. II, 1997.

BRANCHER, Mercedes. A Violência contra as mulheres na vida cotidiana – um estudo do Livro da Aliança a partir de Êxodo 20, 22-23, 19. Tese de Doutorado. Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, 2004.

segunda-feira, 4 de março de 2013

As Mulheres como propriedade privada no Antigo Israel - Parte I

Uma leitura a partir do livro de Êxodo – 19, 20, 22 e 23

 
No início do livro de Êxodo vemos mulheres ativamente atuantes numa “pré-sociedade” do Israel tribal, como por exemplo, Miriã, irmã de Moisés, que exercia a função de profetiza aos exilados no Egito, sendo ela a responsável pela celebração de júbilo a Yhwh após a passagem pelo Mar Vermelho. (Êxodo 15. 20,21)

Não só Miriã como também outras mulheres aparecem em posição de destaque: as parteiras Séfora e Fuá, a mãe de Moisés, a filha de Faraó, Zípora, Joquebede, Eliseba...todas enaltecidas nos textos e na comunidade. Entretanto, conforme Israel foi se estabelecendo em terra, ganhando contornos de uma pré-monarquia, as mulheres foram ao mesmo tempo perdendo status na sociedade.
É possível que as mulheres anteriormente descritas tenham sido “exaltadas” no cativeiro para enaltecer a figura de Moisés, já que a importância das mesmas se dá na preservação da vida do homem que libertaria os cativos do Egito. Após a fuga do julgo de Faraó, uma profetiza como Miriã, já não é “necessária” ou vista com bons olhos no Israel pré-monárquico, pois o povo tem a Moisés.

Além disso, toda mulher em determinado período do mês fica impura, sendo inconcebível ir ao monte para execução dos rituais de adoração ao Deus de Israel. Os homens então passaram a manter distância da mulher para não se contaminar com sua “imundícia” e assim poderem prestar culto para Yhwh. Dessa forma as mulheres começaram a ser excluída da comunhão direta com Deus. A elas cabia adorar o Deus libertador em silêncio, no interior do lar e muito longe dos lugares altos.
A partir da fixação de Israel, a saber, dos textos da aliança utilizados como base para este estudo, as mulheres passaram a ser vistas pela óptica sexual: como mães, filhas, concubinas e viúvas. A única identidade “ainda” preservada, mas não menos menosprezada é a figura da feiticeira, que até mesmo pelo fato de não se deixar subjugar continuando com sua atividade pública, passa a representar uma ameaça aos homens e ao poder que estes possuem como “mediadores diretos e exclusivos de Yhwh” e essa foi a principal razão de tais mulheres serem continuamente perseguidas.

Ao se fixar em terra que emana leite e mel, fixou-se também o poder patriarcal e assim a jornada de trabalho das mulheres passou a ser muito superior à dos homens. Esta era a “importância” das mulheres dentro do Antigo Israel: o “privilégio” de trabalhar muito para manter comunidade.
Eram elas as responsáveis pelo processo produtivo do campo, a transformação da matéria prima em alimento e a produção das vestimentas de todos de sua família, afora os afazeres diários como cuidar dos filhos e principalmente gerá-los, mantendo assim a descendência da tribo.

O livro da aliança é reconhecido como o conjunto jurídico mais antigo do AT e, por isso mesmo, nos baseará para falar da violência contras as mulheres. Conforme elas foram perdendo voz no antigo Israel os homens foram ganhando prestígio e poder. E dessa forma, a violência contra a mulher passou a ser instaurada e até justificada. Isso nos fica claro nos textos de Êxodo 19, 20, 22 e 23.
Nele, há várias formas de violência, deixando a mulher de ser humana para tornar-se um objeto de usufruto do homem. Assim observamos: filhas vendidas por seus pais, escravas entregues pelo senhor como pagamento a seus escravos, mães golpeadas e amaldiçoadas na família, escravas castigadas fisicamente,  filhas abusadas sexualmente ou seduzidas, viúvas oprimidas dependendo da ajuda do clã e feiticeiras perseguidas.

Devemos entender que o livro da aliança é escrito de forma patriarcal, isso quer dizer que há uma visão hierárquica de superioridade do sexo masculino. O ʼadon  é o senhor das escravas; o pai é proprietário das filhas e o marido é dono da mulher. As mulheres descritas estão sempre subjugadas a alguma forma de violência provinda do sexo masculino.
O ambiente agrário que permeia o texto de Êxodo contribui de certa forma para a violência que essas mulheres sofrem, pois como centro da agricultura temos o boi, a ovelha e o jumento, juntamente com o cultivo de cereais e vinhas; além da escavação de poços que começou nessa época. Trata-se de uma sociedade que depende da solidariedade entre as famílias, e no foco principal temos a mulher como mantenedora não só da casa como de grande parte dos afazeres do Clã.

Dentro desse cenário de opressão, ocorria também muito roubo de gado e saque às moradias o que acabava por gerar conflitos que desencadeavam na queima das plantações. E uma vez vendo-se sem gado e sem os alimentos, o dono da propriedade, tinha como única saída negociar suas filhas como escravas (Ex. 21.7), ou então, fazer-se ele próprio escravo.
Em Êxodo 21:14 notamos sequestros de pessoas e assassinatos por traição e nos capítulos seguintes observamos também violência dos filhos contra os pais, brigas entre vizinhos e filhas estupradas. Ou seja, o ambiente que permeia o Israel pré-monárquico é de constante conflito e a mulher passa a constituir mais um bem a ser negociado quando a escassez aumenta.  

No próxima postagem veremos mais de perto cada uma dessas mulheres e a forma como elas serviam de moeda ao seu ʼadon (senhor).