A Parábola dos Lavradores Maus
E começou ele no meio deles uma parábola a falar.
Embora o termo
parábola παραβολαῖς esteja no plural, ao observarmos o verso 12
veremos tratar-se apenas de uma parábola. Será que Marcos ao colocar o
substantivo no plural teve a pretensão de nos dizer que escolhera uma entre
tantas parábolas proferidas por Cristo, ou pretendeu apenas enaltecer que era
por meio de parábolas de Jesus discursava ao povo?
Vejamos o que o
termo parábola pretende dizer em consonância com a palavra alegoria.
A parábola possui
um sentido prático, ou seja, pretende contar um fato através de coisas comuns
aos ouvintes, enquanto que a alegoria possui um sentido teológico. Então, como
classificar a passagem de Marcos 12.1-12?
Devemos
primeiramente analisar o destinatário de tal passagem. Vemos claramente que
Jesus dirige tais palavras aos líderes judeus, são eles que interpelam Cristo
na perícope anterior e é para eles que tal passagem é contada. Embora a
multidão também o ouvisse, a passagem não deixa dúvidas do destinatário da
hermenêutica de Jesus.
O cântico da Vinha
(Is.5) que faz intertextualidade com o excerto aqui apresentado foi
interpretado pelos rabinos em termos alegóricos:
§ Torre = altar dos sacrifícios no templo;
§ Lagar = depósito que se guardava o vinho oferecido em libação.
Da mesma forma, J.
A. Bengel[1] fez
com a parábola da vinha:
§ A vinha = povo judeu a cerca de sua diferença com os
povos gentios;
§ O lagar = sacerdócio judaico;
§ A torre = monarquia judaica.
Entretanto, a nosso
ver, fica explícito que tal perícope não trata de uma alegoria, já que não apresenta
fundo teológico. Tratando-se assim de uma parábola de aviso condenatório aos
ouvintes.
Explicamos: O corpo
de Jesus não deixou de ser sepultado como o versículo 8 propõe. (E, agarrando-o, mataram-no e o atiraram para fora da
vinha). Os assassinos também não foram castigados com a destruição como o texto
pressupõe. E o principal, a ideia da ressurreição do filho do dono da Vinha não
entra na história. Portanto, vemos tratar-se de uma genuína parábola, cujo
verdadeiro objetivo era comunicar que tais agricultores deixaram de ser os
arrendatários da terra e que o Senhor da vinha tomará um posicionamento sobre
isso futuramente.
Dessa forma, tal parábola estaria muito mais para um oráculo, do que para
uma alegoria propriamente dita, haja vista, que ao fim da perícope fica bem
explícito que eles entenderam que contra eles eram tais palavras.
Uma vinha um homem plantou e colocou ao redor uma cerca e cavou um deposito
debaixo do lagar e edificou uma torre, e a arrendou para uns lavradores e viajou.
Apesar de parecer
ser este um texto cuja menção foi feita anteriormente por Isaías 5, existem
várias divergências entre a parábola de Cristo e o texto de Isaías.
Na fala de Jesus,
sua videira não é infrutífera e devastada, ao contrário trata-se de um
empreendimento de alto valor e lucratividade que por conta da rebeldia dos
arrendatários será esta dada a outros. Em contra partida, em Isaías não lemos
nada sobre um proprietário e seus mensageiros ou sobre a morte de seu filho.
Contudo, para ambos
os texto a Vinha possuí valor inestimável. Nenhum dos textos narra apenas à
plantação de uma vinha, mas constrói através da narrativa todo trabalho que tal
feito demandou.
Então para Jesus, o
que realmente a vinha significa? Já que para Isaías Deus está se dirigindo ao
povo todo “A vinha é a casa de Israel”
(Is.5:7).
Não podemos
desprezar a aplicabilidade do AT ao termo e nem menosprezar o judaísmo
existente na época.
Mas ao analisarmos
mais de perto, veremos que a videira não é a casa de Israel, mas foi
primeiramente confiada à casa de Israel.
Ele plantou,
cuidou, e depois arrendou a uns lavradores (povo de Israel) a ausentou-se por
um tempo. Observe que ele não deu, mas arrendou, ou seja, alugou, deixou por um
tempo com tais lavradores (principais dos sacerdotes, doutores da lei e anciãos
do Conselho de Jerusalém). Logo, isso difere muito do que o Judaísmo apregoa, povo santo, nação escolhida por Deus...trata-se
de um empréstimo da vinha e a continuidade do mesmo se dará mediante manter o
acordo primeiro. Logo, Israel tinha o privilégio de experimentar “o reinado de
Deus” (Mt. 21:43).
E enviou para os lavradores, no tempo, um servo, a fim de que ele recebesse deles o fruto do vinhedo.
O tempo para colher
os frutos da vinha após seu plantio se dá num período de aproximadamente cinco
anos (Lv 19-23-25). Como o dono da vinha arrendou suas terras é lógico que só
uma parte seria exigida desses, já que os mesmos cuidaram por cinco anos e
mereciam o que lhes era de direito pelo trabalho e tempo dedicados. Assim Cristo, ao utilizar o fruto do vinhedo
no singular, deixa claro que o dono da vinha almeja uma parte daquilo que foi
produzido e não todos os frutos. Cumprindo desta forma sua parte no acordo.
E eles o tomaram e, o bateram e o mandaram vazio.
Entretanto, eles
viram o mensageiro como àquele que viera “tomar” a vinha conforme anteriormente
acordado.
Nesse ponto da
narrativa, não há uma explicação plausível para atitude dos lavradores a não
ser a palavra ganância.
Por que entregar ao
dono da vinha que se ausentou de nós, tudo pelo que labutamos durante esses
cinco anos? Nós fizemos todo trabalho, e agora ele envia um servo a tirar
proveito do que é nosso?! – Talvez esse tenha sido o pensamento de tais
lavradores.
Passaram por todo plantio
e cultivo sozinhos e depois “aparece” o dono da vinha mandando alguém colher os
frutos que eles lutaram tanto para produzir.
Assim, rompe-se o acordo primeiro e os
lavradores endurecem seus corações.
E mais uma vez enviou para eles outro servo. E a este feriram a cabeça e o insultaram.
O dono da vinha tenta mais uma vez
estabelecer um acordo e manda outro servo. Mas, ferem, insultam. Não querem definitivamente ouvir o dono da
vinha e nem obedecer-lhe cumprindo o acordo.
E a outro enviou.E a este mataram,e muitos outros os
quais enviou uns bateram, e outros mataram.
Matam!!! Neste
ponto a simples parábola começa a ser enxergada pelos judeus como duas
histórias paralelas; uma sobre o relacionamento de Deus com o seu povo e outra
narrando a história de Jesus com o Conselho Superior de Jerusalém.
Jesus está falando
verdadeiramente sobre a paciência e o amor de Deus, em contrapartida com a
maldade e teimosia dos homens que teimam em não seguir os passos de Yhwh.
E ainda tendo ele um, seu filho amado,
Aqui, os ouvintes
de Cristo não perdem uma só palavra do mestre, haja vista, o que representa a
tipologia do filho único e amado, a saber, na perspectiva deles Isaque.
Literalmente enviar
o filho amado é sacrificá-lo, assim como fizera Abraão. Pois a índole dos
lavradores era má e certamente este iria perecer.
Outro filho que
também paira na perspectiva dos ouvintes é José do Egito, o filho que o pai
mais amava e que fora lançado por seus irmãos num buraco e vendido como
escravo.
Entretanto, o que
os ouvintes não entendiam, devido o endurecimento de seus corações, assim, como
os lavradores, é que Jesus não citara o AT, mas estava falando dele mesmo.
Aqui Cristo
responde à indagação feita pelos anciãos sobre sua autoridade na perícope
anterior Mc.11.28.
Deverão ter respeito por meu filho!
Mas aqueles lavradores entre si disseram:visto que este é o herdeiro,vamos
e matemo-lo, e será nossa a herança.
O assassinato não é
cometido porque não o reconheceram, pelo contrário, perceberam ser este o filho
amado do dono da vinha.
Aqui se cumpre o
que está em Isaías 5.7 “O Senhor desejou
que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí,
Clamor”.
Essa mensagem foi
uma verdadeira facada no coração dos anciãos de Jerusalém. Estava explicada
literalmente a parábola para seus destinatários.
Da posição que Deus
lhes conferira eles fizeram um negócio. Do
santo serviço fizeram meio de extorsão, do Templo de Deus, esconderijo de
assassinos e ladrões, da casa de oração de Deus uma sede partidária.
Desde profetas a
acusação é sempre a mesma contra os sacerdotes de Israel, ou seja, desde
primeiros enviados os lavradores permaneciam os mesmos nos atos: ganância,
politicagem na casa de Deus, libertinagem.
E tomando-o, o mataram e o lançaram fora da vinha.
A crueldade é tanta
mediante o ódio, que lhes cegam os olhos desejosos de sofrimento e dor e
profanam o cadáver recusando-lhe o enterro (Is. 14.19; Jr. 7.33; 16.14; 1
Sm.17.44-46).
Neste momento,
Cristo interrompe a parábola e passa a questionamentos, levando os ouvintes ao
desafio de terminar a narrativa.
Que pois fará o Senhor da vinha?
É como se Jesus
perguntasse: mediante a tudo isso que ouviram se fosse com vocês, o que fariam?
Entretanto os ouvintes endurecidos de corações, apesar de compreenderem a
parábola preferiram o silêncio devastador.
Virá, e destruirá os lavradores,e dará a vinha a outros.
Então, Jesus renova sua sentença contra a liderança judaica. Cristo contesta a qualificação dos seus ouvintes professores da Lei. Ele não só condena, mas diz que dará a vinha a outros.
Também não lestes o que está escrito nas escrituras:
Esta pergunta é
retórica, pois é lógico que Jesus sabia que os professores da lei conheciam
muito bem as escrituras, aliás, eles zelavam mais pela lei do que por Yhwh.
Deus conserta o que
as pessoas estragam. O filho rejeitado é honrado por Deus e o que é feito em um,
resulta em importância salvífica para todos.
Mas será que esse
verso procede mesmo da boca de Jesus ou é inserção posterior da Igreja? Muitos
pesquisadores acreditam ser a citação do Sl.118 uma acréscimo posterior.
Entretanto, é mais provável que esta palavra tenha sido recebida pelos
primeiros Cristãos, como vinda diretamente do Senhor. Uma série de elementos
mostra que ela está historicamente em volta de Jesus. Pois, era costume judaico
aprofundar uma parábola com uma passagem das escrituras. E tal parábola possui
não apenas essa, mas várias citações como anteriormente mencionado.
É interessante
também observar que os contemporâneos de Jesus tinham um interesse vivo no Sl.
118, fazendo tal passagem parte do cântico que os peregrinos entoavam quando
subiam ao Templo. Era costume dos próprios escribas chamarem-se de
construtores, sendo típico da época de Cristo e não posterior a ela.
E procuravam se apoderar dele, mas temiam a multidão, pois
reconheciam que para eles era aquela parábola. E assim, eles o deixaram e
partiram.
Treinados na
interpretação de parábolas eles sabiam que eram os maus lavradores. Entretanto,
ao invés de se arrependerem pelos maus feitos, seus corações tornaram-se mais
endurecidos.
Mas como não podiam pegá-lo por hora,
deixaram que partisse para tramar outra forma de o apanharem.
Conclusão
Em Marcos 12.1-12 podemos vislumbrar uma
parábola de cunho condenatório e ao mesmo tempo informativo. Não se trata,
portanto, de uma alegoria como alguns estudiosos tendem a afirmar.
Jesus através da narrativa pretende
passar um recado velado aos professores do Templo, aos “homens de Yhwh”, que
deveriam zelar e honrar a casa do Senhor e seus mandamentos.
Logo, não podemos considerar tal
narrativa alegórica, uma vez que a mesma não trata de mensagem teológica, haja
vista, que Jesus não prossegue até sua redenção. Antes o filho amado do dono da
vinha tem seu corpo ultrajado, sendo deixado profanado fora da vinha. Esta não
é uma mensagem de arrependimento, mas uma parábola-oráculo por assim dizer.
O que Cristo quer passar tanto ao povo,
quanto aos homens do Templo é que Deus instituiu uma vinha, afofou a terra,
adubou, preparou a semente para nela entrar, ou seja, Yhwh, a partir do êxodo
começa a cuidar de um lugar apropriado para plantar a vinha (a Nação de
Israel), ou por melhor dizer, “o povo de Israel” e então ele arrenda a terra
aos lavradores, constituindo homens que deveriam servi-lo e cuidar do que lhes
foi confiado.
Mas logo, percebe que ao tempo da
colheita, a mentalidade dos lavradores havia se modificado e então ele manda
servos seus: profetas, juízes, reis, que ora são postos de lado, ora mortos,
mediante o interesse dos lavradores em serem senhores absolutos da vinha.
Assim o dono da vinha, por amor a
tamanho planejamento, não vê outra saída a não ser a de enviar seu próprio
filho, no entanto, nem a esse respeitam; antes o matam. Desta forma, prossegue Jesus:
que, pois fará o Senhor da Vinha?
E então vem seu oráculo sobre Israel: eu
que cuidei de vocês, os separei como meus escolhidos, adubei com toda cautela a
terra, livrando-a de pragas e ervas daninha, não obtive de vocês o reconhecimento
necessário. Antes, mataram meus enviados e matarão também a meu filho.
A pedra que vocês edificadores,
rejeitaram está será a pedra angular, a pedra principal, aquela que sustentará
todo templo e isto vem do Senhor!
Portanto, hoje vocês deixam de ser “o povo
santo escolhido”, pois não seguiram as regras que o dono da vinha os confiou! E
eu passarei a vinha a outros, àqueles que enxergam pelos olhos da fé que é
sobre mim que as escrituras testificam, que sou eu a última tentativa do dono
da vinha em recuperar o que já há muito havia se perdido.
Assim, Jesus deixa bem claro, que o
Templo que ele há de habitar é o coração de todo aquele que nele crer como o
messias filho de Deus, amado, único e salvador de seus novos arrendatários
escolhidos. A vinha, portanto, deixa de ser Israel
para ser a nova Jerusalém, composta
pelas mais diversificadas sementes da videira, mas sementes verdadeiramente
selecionadas e edificadas.
Referência
bibliográfica
CULLMAN, O. A Formação do Novo
Testamento. 9.ed. São Leopoldo: Sinodal. 2001.
DAVIDSON, F. O novo comentário da
Bíblia. 3.ed. São Paulo: Vida Nova.1997.
HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo
Testamento. Rio de Janeiro: Juerp. 1983.
HÖSTER, G. Introdução e Síntese do Novo
Testamento. Curitiba: Editora Evangélica Esperança.1996.
JEREMIAS, J. Jerusalém no Tempo de
Jesus: Pesquisas de história econômico social no período neotestamentário. São
Paulo:1983. Paulinas.
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo
Testamento. 2ª ed. São Paulo: Paulos, 1997.
LOCKYER, H. Todas as parábolas da
Bíblia. São Paulo: Vida. 1999.
MERRIL C. T, O Novo Testamento – Sua
Origem e Análise. São Paulo:Vida Nova,1972.
POHL, A. Evangelho de Marcos. Comentário
da Esperança. Curitiba: Editora
Evangélica Esperança. 1998.
Artigos
RAMIREZ, D.F. Empenho e perseverança -
artigo de estudo de Marcos 13. www.4shared.com
Acessado em 10/01/2011 às 13:30
SILVA,
Andréia Cristina L. Frazão da. A palestina no século I D.C. http://www.ifcs.ufrj.br/~frazão/palestina.
html
acessado em 06/01/2011 às 10:45
Nenhum comentário:
Postar um comentário