quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Coração: filtro da Alma - Parte I




E aconteceu virem eles, e ele viu a Eliav. E disse: certamente na presença de Yahweh será meshiah! E disse Yahweh para Samuel: não olharás para a aparência dele e para elevada altura porque o recusei. Pois que ele não verá como o ser humano, pois, o ser humano verá para os olhos e Yahweh verá para o coração.
...E Jessé fez passar seus sete filhos diante de Samuel e disse Samuel para Jessé: Yahweh não escolheu nestes. 1 Samuel 16:6-10



O coração na antiguidade

O coração sempre foi um órgão que desde tempos mais remotos despertou muita fascinação. Este único significante assumiu no decorrer dos tempos diversos significados. Indo desde centro de toda motivação humana até apenas mais um órgão do corpo com função biomecânica.
Os antigos egípcios criam que o coração (kardia[1]) era o centro do homem. Responsável tanto pelas dimensões orgânicas como espirituais, sendo assim o provedor da moralidade do indivíduo. Era nele que se desenvolvia o bem ou do mal em cada ser humano.
E tal era sua importância que nos rituais de mumificação era o único órgão preservado e oferecido juntamente com um escaravelho ao deus da mumificação Anubis, para que o mesmo fizesse o julgamento do individuo através do peso de seu coração. Dessa forma se o órgão pesasse mais que a “pena da verdade”[2] a alma era destruída para todo sempre, caso contrário, ou seja, se fosse mais leve, Anubis guiaria a pessoa para o além e o individuo teria acesso ao paraíso.
Na Índia o coração é visto como o lugar de contato com Brahma, ou seja, passa a ser o elo com a personificação do absoluto. Já na Antiga Grécia primordialmente representava a sede do pensamento, da ação do homem e posteriormente assumiu um significado mais intenso e espiritual. No Islamismo temos o coração como o lugar da contemplação da espiritualidade.
Com o povo de Israel não se deu diferente. Para tais, o lebad (coração) era o centro tanto da vida material quanto espiritual, sendo responsável ao mesmo tempo, pela moral, sentimentos humanos e função vital.
 

A Filosofia e o Coração

A partir de Platão o significante Kardia começa a assumir novos significados. O pai da metafísica foi o responsável pela divisão do coração entre dois polos, ou melhor, mundos: o da aparência (material, palpável) e o das ideias (essência, espiritual, intelectual).
Para Platão o coração perde lugar para o cérebro que assume o local maior da racionalidade. E essa nova perspectiva faz uma ruptura com os padrões anteriomente estabelecidos. Entretanto, tal órgão ainda não é visto do ponto de vista biomecânico. Antes, é o responsável por tudo aquilo que o homem deve desprezar (paixões, emoções).
Temos que entender que nesse momento do “platonismo” o mundo induz o homem ao erro, pois o seduz, o excita.
A visão do coração como órgão vital viria somente tempos depois através de Aristóteles. É ele que o configura como centro emocional responsável pelas percepções. Para Aristóteles a alma que é responsável pelo intelecto.
A partir desses dois filósofos as discussões passam a ser um embate coração x cérebro como o centro do homem. Assim a disputa filosofia x tradição religiosa cede lugar até ao início da modernidade por uma disputa filosofia versus ciência.
Somente no século XVII, através do médico William Harvey, o coração tem sua função vital  comprovada como o responsável pela circulação do sangue. Sendo de suma importância no processo fisiológico do homem, mas não nas questões emocionais, sentimentais ou racionais.

Continua...




[1] Coração em grego significa Kardia, assim como em hebraico o temos por lebad.
[2] Tal pena era guardada pela consorte de Anubis, a deusa da verdade Maat.

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