A luz em meio às trevas
A escuridão tomou conta de todo
seu ser, já não podia ver a luz, mesmo a ínfima luminosidade de um candeeiro.
Tudo em sua frente tornara-se vulto. Os sons misturaram-se em meio às trevas,
ficando cada vez mais impossível distingui-los.
Uma ânsia infinita tomou-lhe
conta e desejou como com que a própria vida encontrar luz... Desvencilhar-se
das armadilhas da cegueira que agora o consumia. Mas como?
Lembrou-se então dos ensinamentos
de criança:
− Ore
ao papai do céu! Agradeça-lhe a vida!– era o que aprendera desde tempos mais
remotos. Contudo, mais uma indagação vem a sua mente:
− Como? Se nem ao menos posso ver o céu!
O breu apoderou-se não somente de
sua alma, mas também de seus pensamentos, dando ouvidos a coisas vãs, ditas
pelos que o cercavam: Onde está seu Deus? Por que permitiu que permanecesse
assim?
Numa luta interna contínua entre
os ensinamentos da meninice e a cegueira tangível foi esgueirando-se até
alcançar a imagem dada por circundantes para renovar-lhe a fé.
Foi tateando a mesma: passando os dedos pela
boca... Mas dela nada ouviu; tocou-lhe os olhos... Todavia assim como ele, a
esfinge também nada podia ver. Começou então a chorar diante de sua condição de
cegueira, contudo a imagem nem ao menos o podia escutar.
Seus dedos tocaram-lhe então o
nariz inerte e gelado, nariz este impossível de transformar oxigênio em gás
carbônico. Embora com aparência humana, respiração nenhuma saía dela. Podia até
ter sido formada do pó da terra, contudo não fora pelas mãos do Grande Escultor
Celestial e sim de mãos semelhantes às suas. Quem sabe se em tempos remotos a
mesma imagem não poderia ter sido criada por ele próprio?
Tocou então as mãos e os pés da
escultura feita por homens, e ela... Permaneceu estática.
Disseram-lhe então para rogar à
mesma por sua cura, entretanto, seria vão!
Tornar-se-ia inerte... Imutável... Estático
como a imagem que segurava, e ainda assim... sem visão; pois nenhuma luz emanava
da mesma.
Embora a estivesse segurando,
permanecia tão cego como dantes, não enxergando o caminho que devia seguir.
Num súbito descuido escorregou-lhe
por entre os dedos aquela que outrora poderia restituir-lhe a visão, conforme
criam os que o cercavam.
Ao tocar o solo se quebrou, sendo
partículas suas carregadas pelo vento. Não havia vida ali! A mesma que antes
estava imponente, mas inerte, agora nem ao menos pôde salvar-se da destruição.
E o que anteriormente podia ser
pelo menos tocado, embora não houvesse resposta, já nem isso podia fazer. Sua
existência deixou de ser e sua lembrança não mais se fazia presente.
Embora cego e inútil, não era
possível que sua vida tivesse o mesmo valor da imagem que agora de nada mais servia
e ainda podia machucar-lhe o pé por não ter como ver o local de sua destruição.
- Pensou ele.
Aquele trabalho fora feito por
mãos humanas, mas ele, ele fora criado pelo maior Escultor já existente e que
todos na face da terra, de certa forma, já ouviram falar.
Embora feito de carne e
perecível, haja vista, sua condição de cegueira; seu valor era grande demais
aos olhos de seu Criador, mais valioso que os mais nobres dos materiais.
Inestimável, incalculável... Mais precioso que a prata mais nobre ou o ouro
mais puro.
Então mediante a tristeza que o
afligia começou a lembrar das coisas de sua meninice, de como aprendera a
história de sua formação...
Mesmo sendo criado de materiais
comuns aos homens, assim como a imagem, algo o distinguia daquela outrora
destruída: seu Escultor.
Ele não fora somente feito e posto à venda com
o semblante replicado. Não!...
Ao contrário, fora forjado,
milimetricamente calculado, único aos olhos de seu Criador.
Possuía algo inestimável, capaz
de distingui-lo daquela imagem que embora parecesse humana faltava-lhe o bem
mais precioso dado a ele pelo Grande Escultor: a alma.
O cuidado com que dispensava à
sua criação era visível mesmo àquele que não mais podia ver.
E que mesmo cego não tivera seu
valor de mercado depreciado, ao invés disso, tal peculiaridade o tornou único,
fazendo-o enxergar além do campo ocular...
Embora contraditório, o fato era que só agora
podia ver...
Via que o Grande Escultor ao invés de
descartá-lo, destruí-lo, como o destino recebido pela imagem; preparou-lhe um
maravilhoso lugar para exposição, não somente para ele como para todo seu
acervo. O nome dessa grande galeria de arte: Terra.
E assim pôde perceber que mesmo
quando falta-nos alguma parte que nos torna “perfeitos”, o Escultor Celestial pode
até não reparar o que ao ver humano possa estar errado, estragado, sem
utilidade, mas utiliza esse “defeito” para dar-nos nova serventia, tornando-nos
únicos aos olhos de sua criação. Despertando em cada um de nós uma visão além
do alcance aparente, uma visão pelo coração.
Então finalmente percebeu, sentiu
como era especial e abriu-se a visão para as coisas que realmente importam...
Elevando a face ao céu, em
contemplação como um menino ao receber um presente muito esperado, assim em
direção à luz a escultura ser humano agradeceu ao Grande Escultor Celestial por
sua existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário