terça-feira, 3 de julho de 2012

Minha releitura do Salmo 115

A luz em meio às trevas


A escuridão tomou conta de todo seu ser, já não podia ver a luz, mesmo a ínfima luminosidade de um candeeiro. Tudo em sua frente tornara-se vulto. Os sons misturaram-se em meio às trevas, ficando cada vez mais impossível distingui-los.
Uma ânsia infinita tomou-lhe conta e desejou como com que a própria vida encontrar luz... Desvencilhar-se das armadilhas da cegueira que agora o consumia. Mas como?
Lembrou-se então dos ensinamentos de criança:
Ore ao papai do céu! Agradeça-lhe a vida!– era o que aprendera desde tempos mais remotos. Contudo, mais uma indagação vem a sua mente:
 Como? Se nem ao menos posso ver o céu!
O breu apoderou-se não somente de sua alma, mas também de seus pensamentos, dando ouvidos a coisas vãs, ditas pelos que o cercavam: Onde está seu Deus? Por que permitiu que permanecesse assim?
Numa luta interna contínua entre os ensinamentos da meninice e a cegueira tangível foi esgueirando-se até alcançar a imagem dada por circundantes para renovar-lhe a fé.
 Foi tateando a mesma: passando os dedos pela boca... Mas dela nada ouviu; tocou-lhe os olhos... Todavia assim como ele, a esfinge também nada podia ver. Começou então a chorar diante de sua condição de cegueira, contudo a imagem nem ao menos o podia escutar.
Seus dedos tocaram-lhe então o nariz inerte e gelado, nariz este impossível de transformar oxigênio em gás carbônico. Embora com aparência humana, respiração nenhuma saía dela. Podia até ter sido formada do pó da terra, contudo não fora pelas mãos do Grande Escultor Celestial e sim de mãos semelhantes às suas. Quem sabe se em tempos remotos a mesma imagem não poderia ter sido criada por ele próprio?
Tocou então as mãos e os pés da escultura feita por homens, e ela... Permaneceu estática.
Disseram-lhe então para rogar à mesma por sua cura, entretanto, seria vão!
Tornar-se-ia inerte... Imutável... Estático como a imagem que segurava, e ainda assim... sem visão; pois nenhuma luz emanava da mesma.
Embora a estivesse segurando, permanecia tão cego como dantes, não enxergando o caminho que devia seguir.
Num súbito descuido escorregou-lhe por entre os dedos aquela que outrora poderia restituir-lhe a visão, conforme criam os que o cercavam.
Ao tocar o solo se quebrou, sendo partículas suas carregadas pelo vento. Não havia vida ali! A mesma que antes estava imponente, mas inerte, agora nem ao menos pôde salvar-se da destruição.
E o que anteriormente podia ser pelo menos tocado, embora não houvesse resposta, já nem isso podia fazer. Sua existência deixou de ser e sua lembrança não mais se fazia presente.
Embora cego e inútil, não era possível que sua vida tivesse o mesmo valor da imagem que agora de nada mais servia e ainda podia machucar-lhe o pé por não ter como ver o local de sua destruição. - Pensou ele.
Aquele trabalho fora feito por mãos humanas, mas ele, ele fora criado pelo maior Escultor já existente e que todos na face da terra, de certa forma, já ouviram falar.
Embora feito de carne e perecível, haja vista, sua condição de cegueira; seu valor era grande demais aos olhos de seu Criador, mais valioso que os mais nobres dos materiais. Inestimável, incalculável... Mais precioso que a prata mais nobre ou o ouro mais puro.
Então mediante a tristeza que o afligia começou a lembrar das coisas de sua meninice, de como aprendera a história de sua formação...
Mesmo sendo criado de materiais comuns aos homens, assim como a imagem, algo o distinguia daquela outrora destruída: seu Escultor.
Ele não fora somente feito e posto à venda com o semblante replicado. Não!...
Ao contrário, fora forjado, milimetricamente calculado, único aos olhos de seu Criador.
Possuía algo inestimável, capaz de distingui-lo daquela imagem que embora parecesse humana faltava-lhe o bem mais precioso dado a ele pelo Grande Escultor: a alma.
O cuidado com que dispensava à sua criação era visível mesmo àquele que não mais podia ver.
E que mesmo cego não tivera seu valor de mercado depreciado, ao invés disso, tal peculiaridade o tornou único, fazendo-o enxergar além do campo ocular...
Embora contraditório, o fato era que só agora podia ver...  
 Via que o Grande Escultor ao invés de descartá-lo, destruí-lo, como o destino recebido pela imagem; preparou-lhe um maravilhoso lugar para exposição, não somente para ele como para todo seu acervo. O nome dessa grande galeria de arte: Terra.
E assim pôde perceber que mesmo quando falta-nos alguma parte que nos torna “perfeitos”, o Escultor Celestial pode até não reparar o que ao ver humano possa estar errado, estragado, sem utilidade, mas utiliza esse “defeito” para dar-nos nova serventia, tornando-nos únicos aos olhos de sua criação. Despertando em cada um de nós uma visão além do alcance aparente, uma visão pelo coração.
Então finalmente percebeu, sentiu como era especial e abriu-se a visão para as coisas que realmente importam...
Elevando a face ao céu, em contemplação como um menino ao receber um presente muito esperado, assim em direção à luz a escultura ser humano agradeceu ao Grande Escultor Celestial por sua existência.

           

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