terça-feira, 3 de julho de 2012

A religião nos tempos de Paulo - Atos 9: 1-22

Pelo fato dos romanos admitirem que os povos conquistados mantivessem certa hegemonia religiosa, principalmente no que diz respeito a Israel, uma verdadeira ebulição de crenças e credos pairava na Palestina.
Logo, o judaísmo era tido como a religião Nacional embora possuísse várias correntes. Pode-se observar tal característica com muita pertinência no livro de Tenney, intitulado, Tempos do Novo Testamento:

“A igreja Cristã nasceu dentro um mundo cheio de religiões que apesar das muitas diferenças entre elas, possuíam uma característica comum – o esforço para alcançar um deus, um deus que permanecia essencialmente inacessível. À parte do Judaísmo, que ensinava que Deus tinha voluntariamente Se revelado aos patriarcas, a Moisés, e aos profetas, não havia religião que falasse com certeza da revelação divina nem de qualquer conceito verdadeiro de pecado e salvação. Os padrões éticos correntes eram superficiais, não obstante o ideal e visão possuída por alguns filósofos, e quando eles discursavam sobre o mal e bem, eles não apresentavam nenhuma solução ou mesmo possibilidades de que um remédio pudesse ser encontrado. Até mesmo no Judaísmo a verdade tinha estado obscurecida pela formação de uma crosta de tradições ou negligenciavam... O paganismo e todas as religiões à parte do conhecimento e fé da Palavra de Deus sempre produziu uma paródia e uma perversão da revelação original de Deus ao homem. Isto retém muitos elementos básicos da verdade, mas eles são distorcidos na prática. Soberania Divina torna-se fatalismo: graça torna-se indulgência; justiça torna-se conformidade com graças arbitrárias: adoração torna-se ritual vazio: oração torna-se pedidos egoístas: os acontecimentos sobrenaturais tornam-se superstição. A luz de Deus é obscurecida por lenda imaginária e por falsidade sincera. A consequente confusão de crenças e de valores desnorteava as pessoas que vagueavam por um labirinto de incertezas. Para alguns, a conveniência era a filosofia de vida predominante; como não há nenhuma certeza final, também não há princípios permanentes, cada um vivera ao sabor da vantagem do momento. Prevalecia o ceticismo, os velhos deuses tinham perdido sua força e nenhum novo deus tinha aparecido. Cultos particulares e/ou familiares predominavam, utilizado superficialmente pelos ricos, mas deixava o pobre em seu desespero. As pessoas tinham perdido completamente o prazer e o objetivo que torna a vida humana algo que vale a pena ser vivida.


Assim, no mundo religioso da época existiam vários grupos que embora possuíssem peculiaridades religiosas convergiam para um ponto em comum; o cumprimento da lei e a adoração a um só Deus. O judaísmo encontrava-se posicionado em uma tríade: os saduceus, os fariseus, e os zelotes[1].
A tabela a seguir mostra as principais contribuições do judaísmo:



O Monoteísmo
O Sistema Ético
O Antigo Testamento
A Sinagoga
àNunca mais depois do cativeiro babilônico os judeus voltaram à idolatria;
à As sinagogas espalharam o monoteísmo no império.
àO judaísmo ofereceu ao mundo o mais puro sistema ético da época, dando uma nova perspectiva moral e espiritual, facilitando a pregação do evangelho.
à O povo judeu preparou o caminho para o cristianismo oferecendo à igreja em formação um livro sagrado, já pronto e completo, o A.T. utilizado pelos apóstolos ao anunciar o evangelho.
àNasceu durante o cativeiro babilônico, por causa da ausência do templo;
à Foi o lugar em que Paulo pregou em todas as cidades por onde passou durante as suas viagens missionárias.


Afora o Judaísmo havia ainda os seguidores de Cristo e o paganismo por parte de Roma.


Os Saduceus na religião
Este grupo limitava sua fé às doutrinas que estavam nas sagradas escrituras e defendia o direito a privada interpretação da lei. Distinguiam-se dos fariseus por negarem a ressurreição e o juízo futuro alegando a ausência dessas doutrinas na lei mosaica. Afirmavam que a alma morria com o corpo (Mt. 22 23-33, At. 23-8), negavam a existência de anjos, dos espíritos e, do fatalismo em defesa do livre arbítrio[2].
Por conta de negar a existência do sobrenatural, os saduceus, entravam em conflito com a angeologia do judaísmo ensinadas pelos patriarcas. Este grupo ainda se contaminou com influência da filosofia grega, adotando os princípios aristotélicos, recusando-se assim a aceitar qualquer doutrina que não pudesse ser provada pela razão.


A religião dos fariseus

A seita dos fariseus foi criada provavelmente no período anterior a guerra dos macabeus e deu-se com o propósito de oferecer resistência ao espírito helênico que vinha se manifestando entre os judeus, uma vez que grande parte estava adotando os costumes da antiga Grécia.
Essa resistência consistia em observar estritamente as leis de Moisés. Dentre os aspectos religiosos estavam a crença da predestinação que consideravam em harmonia com o livre arbítrio. Criam na imortalidade da alma, na ressurreição do corpo e na existência do espírito. Acreditavam nas recompensas e castigos pelos atos através da vida futura e que as almas dos ímpios eram lançadas em prisão eterna, enquanto que a dos justos, revivendo, habitavam outros corpos (At. 23 - 8). Logo, para os fariseus a religião consistia na pratica de atos externos em prejuízo das disposições do coração.
A interpretação da lei e a sua aplicação aos pormenores da vida, veio a ser um trabalho de graves consequências, como se pode observar no excerto de Lucas 6 1:10.

1Aconteceu que, num sábado passando Jesus pelas searas, os seus discípulos, colhiam e comiam espigas, debulhando-as com as mãos.
2E alguns dos fariseus lhes disseram: por que fazeis o que não é lícito aos sábados?
3Respondeu-lhes Jesus: Nem ao menos tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e seus companheiros?
4Como entrou na Casa de Deus, tomou , e comeu os pães da proposição, e os deu aos que com ele estavam, pães que não lhes era lícito comer, mas exclusivamente dos sacerdotes?
5E, acrescentou-lhes: O Filho do Homem é o senhor do Sábado.
6Sucedeu, que em outro sábado, entrou ele na sinagoga e ensinava. Ora, achava-se ali um homem cuja mão direita estava ressequida.
7Os escribas e os fariseus observavam-no procurando ver se ele faria alguma cura no sábado, a fim de acharem de que o acusar.
8Mas, ele, conhecendo-lhes os pensamentos, disse ao homem da mão ressequida: levanta-te e vem para o meio; e ele, levantando- se, permaneceu de pé.
9Então, disse Jesus a eles: Que vos parece? É lícito, no sábado fazer o bem ou mal? Salvar a vida ou deixá-la perecer?
10E, fitando todos ao redor, disse ao homem: Estende a mão. Ele o fez, e a mão lhe foi restaurada.

Aqui Jesus os repreende por duas vezes. A primeira por indagarem a Ele, o porquê, dos discípulos estarem colhendo espigas, mesmo que fosse para suprir a fome, já que colher era visto como trabalho e, o sábado era do Senhor e por isso nada faziam a não ser cultuar a Deus (embora estivessem muito envolvidos no dia santo em tramarem contra Jesus ao invés de estarem no Templo louvando). Logo, Jesus os repreende dizendo que os fariseus não examinaram com exatidão as escrituras, pois lá está escrito que Davi tendo fome comeu do pão da proposição (pão somente dados aos sacerdotes) e ainda deu aos soldados.
E na segunda repreensão, Jesus os adverte a respeito do homem com a mão ressequida, afinal de contas, é lícito ao sábado fazer o mal ou o bem? Salvar a vida ou deixar morrer?
Os fariseus do século I guardavam tanto o dia de sábado que se alguma pessoa fraturasse o braço ou a perna no sábado somente era permitido a essa usar uma compressa de água fria, tendo a mesma que aguardar o dia posterior para colocar uma tala.
Ao guardar a lei acima de todas as coisas, esqueciam-se dos mandamentos dados por Deus a Moisés, uma vez que deixavam de amar ao próximo, como fica explicitado no texto de Lucas anteriormente descrito.


Zelotes
Como visto no tópico – política – os zelotes era uma corrente dos fariseus, mas de cunho político. Lutavam contra os tributos impostos por Roma, sendo por tal motivo os principais inimigos dos publicanos.
Com respeito à doutrina mantinham-se fieis as leis, assim como os fariseus, contudo, eram nacionalistas ao extremo.


O Paganismo
Esta era a religião oficial de Roma no estudado período. A mesma incorporou a doutrina do povo conquistado (Grécia) aos seus costumes, adotando assim grande parte do panteão e da mitologia grega.
As divindades romanas passavam a ser identificadas com os deuses gregos, como por exemplo, Júpiter com Zeus; Vênus com Afrodite, etc. Os romanos também incorporaram certas características como a de um sacerdócio no qual o Imperador atuava como pontifex maximus (sumo sacerdote).
O senado romano lançou o culto ao Imperador após a morte de Augusto, sendo tal culto motivo da morte de muitos judeus posteriormente em 66 EC.


A doutrina de Cristo
Após a morte e ressurreição de Jesus os apóstolos passaram 40 dias sendo instruídos sobre o que haveria de acontecer. Assim voltaram a Jerusalém e cerca de 120 cristãos aguardaram os acontecimentos vindouros.
Finalmente no dia de pentecostes, cinquenta dias após a páscoa, a descida do Espírito Santo capacitou seus seguidores a propagar as boas novas (At. 2: 16-21). Logo, o problema aos olhos dos judeus e romanos (ou seja, Jesus Cristo) ao invés de findar-se, propagou-se com mais resignação do que nunca.
Durante alguns anos Jerusalém foi o centro da igreja e muitos judeus acreditavam que os seguidores de Jesus faziam parte apenas de mais uma vertente do judaísmo. Suspeitavam que os mesmos estivessem a propagar uma religião de mistério em torno de Jesus de Nazaré.
Contudo, perceberam que os seguidores de Cristo compunham não somente uma nova “seita”, uma vertente do judaísmo e sim algo maior e sobre o qual não possuíam o menor controle. Henry Melvill Gwatkin, in: Early Church History, pag 18, diz: "Os líderes judeus tinham um medo de arrepiar, porque este novo e estranho ensino não era um judaísmo estreito, mas fundia o privilégio de Israel na alta revelação de um só Pai de todos os homens."
Assim, os novos Cristãos[3]proclamavam com ousadia, pois tinham herdado de Jesus todos os privilégios. Logo, não eram parte de, mas sim o “Novo Israel” (Ap 3.12; 21.2; Mt 26.28; Hb 8.8; 9.15).
Embora fossem ao Templo para orar, passaram a compartilhar a Ceia do Senhor em seus próprios lares (At.2:42-46), fazendo-lhes alusão da Nova Aliança para com o Pai.
Deus operava milagres de curas por intermédio desses cristãos e por tal motivo, muitos da população criam que estes estavam verdadeiramente a serviço do Senhor. Contudo, mais uma vez, as autoridades do Templo, tentaram reprimir o crescimento do cristianismo mandando encarcerar os apóstolos. Deus então enviou anjos a fim de libertá-los (At. 5:17-20).
Tão grande era o crescimento da Igreja que os discípulos (apóstolos) tiveram de nomear sete homens para distribuir víveres (provisões) às viúvas necessitadas. Sendo o dirigente desses homens Estevão, o primeiro mártir da pós-ascensão.
Este foi o começo do governo eclesiástico da Igreja primitiva e ponto de partida para o ensaio aqui presente, já que foi nesse tempo conflituoso que surgiu Paulo, ainda sob o heterônimo de Saulo de Tarso, a perseguir os primeiros cristãos. Estando Paulo inclusive presente na morte de Estevão.

Vimos até aqui os aspectos geográficos, econômicos, políticos e religiosos no tempo do evento, quando Paulo teve um encontro com Deus no caminho para Damasco. Nossa próxima caminhada é verificar todos esses aspectos no tempo da narrativa, ou seja, quando a oralidade virou escrita.



[1] Há ainda os essênios como outra vertente do judaísmo, entretanto, como o mesmo não se encontra citado no livro de Atos dos apóstolos e por tal motivo não será abordado neste artigo.
[2] As ações para eles estavam sujeitas ao poder da vontade de modo que todo ser humano era a causa dos atos bons; que os males sofridos resultavam da própria insensatez e que Deus não intervinha nos atos da vida humana quer fossem bons ou não.
[3] Cristãoseste nome nasceu na Antioquia e foi dado aos discípulos de Cristo pelos inimigos em sinal de desprezo. At. 11:26. Só é encontrado no Novo Testamento por duas vezes: uma vez na boca de Agripa II, quando Paulo pregava sobre o arrependimento e a remissão dos pecados por meio de Jesus Cristo. At. 26: 18, 23 e 28; E a outra vez na carta de Pedro para Confortar os fiéis que sofriam perseguições. I Pe. 4:16

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