terça-feira, 3 de julho de 2012

O Método Comparativo nas diversas vozes do texto


Segue um ensaio sobre o método comparativo, ou a intertextualidade dos textos. O mesmo será dividido em duas partes. Na segunda constará a aplicação do método propriamente dita. Sendo feita a análise do livro de Daniel capítulo 2 versículos 1-3; 5-6; 10, 12; 14-20; 23-47 em confronto com outros textos bíblicos tais como Isaías, Ezequiel, Apocalipse e outros. Shalom!!!

O Método Comparativo nas diversas vozes do Texto.


O presente ensaio pretende demonstrar a importância de utilizar o método comparativo para entender melhor os arquétipos das diversas religiões.

Mas qual a importância de tal método? Que contribuição o mesmo pode apresentar ao leitor comum? Quais as vantagens de sua utilização, por exemplo, no estudo bíblico das Igrejas?

A resposta é: TODA importância! Um texto como sabemos não é um emaranhado de frases desconexas e que o mesmo é fruto da comunidade que o produziu. Ao conhecer essa comunidade, torna-se possível entender seu pensamento e sua religiosidade.

Mas para quê estudar a religião alheia? Em que isso beneficia minha crença? Muitos neste ponto diriam que o melhor é “não se contaminar”.

Contudo, o fato é que ao estudar a fenomenologia religiosa de diversos povos, pode-se perceber como se dá o contato do homus religiosos com seu credo e quais as diferenças entre as várias religiões. E nesse sentido o leitor só tende a ganhar, uma vez que cresce em conhecimento e pode através de tais confrontos ver reafirmada sua fé; além de aprender a respeitar a liberdade religiosa do próximo.

Por exemplo, através do comparativismo textual percebe-se que o único Deus libertador em todas as religiões é YHVH, como descrito no livro de êxodo (Deus que se compadece de sua criação e vem em seu auxílio).

Já os deuses de outras culturas criaram o homem para os servirem, por estarem fadados de tantos afazeres, ou por se “alimentarem” da adoração do homem. Assim o o Ser humano não é “a criatura de Deus, feita a sua imagem e semelhança” e sim meramente “um servo”para suprir suas necessidades.

Pode-se observar também a questão do conflito das sociedades patriarcais e matriarcais, no que diz respeito à cosmogonia de diversos povos. Através de leituras de textos babilônicos como o Enuma Elish (Tiamat) e outros textos mitológicos como oriundos da caldeia (Ishtar e Ninsuna), Asherah em Canaã, Astarté na Síria, Afrodite na Grécia, Vênus em Roma é possível traçar um paralelismo, por exemplo, com gênesis 1 apreendendo assim o momento que as vozes matriarcais foram perdendo valor em consonância com a ascensão do patriarcalismo.

Vê-se ainda, dentre abordagens infindas, as vozes de outros textos como a epopéia de Gilgamesh no texto bíblico da narrativa de Noé. Observando-se assim que o dilúvio era uma preocupação abrangente em toda a região da Mesopotâmia.

Percebe-se através do método comparativo que há duas formas do sagrado manifestar-se no homem, a saber:

De maneira Heterônoma→ na qual o sagrado manifesta-se fora do sujeito. E nesse âmbito temos, por exemplo, o cristianismo, o islamismo, o judaísmo... não importando aqui considerar o local dessa manifestação. Se no monte, rios, ou na cachoeira;


De forma Autônoma → na qual o sagrado está dentro do sujeito, contido nele, cabendo a este uma interiorização profunda a fim de entrar em contato com o seu sagrado. E nesse âmbito temos o budismo, onde cabe ao homem entrar em contato com o seu “eu” interior a fim de encontrar o nirvana.


É através do comparativismo textual que se pode também entender o momento onde El torna-se um dei otiosi e em contra partida Ba’altoma seu lugar na adoração do povo cananeu. Ou seja, quando o homem passa a controlar a agricultura o Deus criador deixa de ter seu valor maior agregado, pois nesse momento é necessário um deus que possa suprir as carências da terra, tornando-a próspera ao plantio.

Ao utilizar o conceito de dei otiosiapresentado por Mircea Eliade é possível avaliar também a vertente do espiritismo defendida por Allan Kardec, o qual se apropriou de vários conceitos positivistas para fundamentar sua religião.

Observar-se-á o excerto abaixo do livro O Sagrado e o Profano de Eliade que explicita melhor esse conceito.


[...O fenômeno do “afastamento” do Deus supremo revela-se desde os níveis arcaicos de cultura.]

[...O Habitante do Céu, ou aquele que está no Céu é eterno, onisciente, onipotente, criador, mas a criação foi concluída e Deus se isolou dos homens e atualmente está indiferente as coisas do mundo.]

[...o grande Deus celeste, o Ser supremo, criador e onipotente, desempenha um papel insignificante na vida religiosa da tribo. Encontra-se muito longe, ou é bom demais para ter necessidade de um culto propriamente dito, e invocam-no apenas em casos extremos.]


Nesse sentido, ao comparar o espiritismo com o Cristianismo pode-se observar que embora os espíritas creiam em um deus, o mesmo encontra-se ocioso, uma vez que tal vertente de certa forma defende o autonomismo espiritual, haja vista que cabe ao homem retornar por diversas vezes, através da reencarnação, para a total expurgação de seus pecados e uma posterior evolução, a fim de ir a um plano superior. E nesse âmbito entra toda a importância e aplicação do método comparativo, pois ao confrontar as duas vertentes, pode-se observar que embora digam crer em Jesus o mesmo torna-se deiotiosi para eles, pois deixa de possuir a divindade de ser filho de Deus e passa a ser um exemplo de caridade a ser seguido. A Jesus deixa de ser atribuída a salvação e esta passa a depender única e exclusivamente do homem, retornando diversas vezes à vida até uma evolução total, ignorando-se por completo o plano divino para salvação humana.

Mas o método comparativo não é útil somente para o estudo das diversas religiões. Ele é essencial para entender melhor o texto. E assim sendo seu uso na Bíblia e para a Bíblia torna-se de suma importância para compreender melhor as vozes do texto bíblico.

Por exemplo, a primeira vista o livro de apocalipse pode parecer uma colcha de retalhos, ou seja, complexo demais devido a estrutura textual repleta de metáforas, metonímias etc; ou ainda suas vozes, ora remetendo ao passado, por vezes, o presente e ora ao futuro.

Mas se o leitor a partir do estudo de apocalipse utilizar o método comparativo com outros livros da Bíblia, como Isaías, poderá melhor compreender o que João pretendia explicitar ao escrevê-lo.

Posteriormente farei essa aplicabilidade do método comparativo, a fim de demonstrar como o aprendizado pode dar-se de maneira mais abrangente através de tal caminho.


Em Cristo,
Renata.

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