sexta-feira, 6 de julho de 2012

1 Samuel 16 - parte final


Resumos e perspectivas em 1 Samuel 16



Em nossa pesquisa fizemos a delimitação do texto de (1 Sm 16) em unidades de sentido.  Trabalhamos as questões pertinentes à desconstrução de Saul enquanto líder emergente da monarquia consoante à construção do real monarca Davi.

Entendemos que para a derrocada de Saul enquanto líder se fez necessário desacreditá-lo perante o povo enaltecendo Davi. Atribuindo a Saul um espírito de deuses mau.

A nosso ver, mediante a exegese do texto, Saul poucos erros cometeu. O declínio de sua atuação monárquica, fora fruto, ao que tudo indica, de problemas políticos e não de sua intimidade com Yahweh.

Durante nossa caminhada surgiram mais indagações do que respostas. Ingenuidade nossa é pensar “descobrir” alguma coisa; pois um pesquisador é movido pelas dúvidas e não pelas certezas que o cercam, pois o que é certo verdadeiramente, a não ser o fato de que Cristo morreu por nós?

Ao pesquisarmos o lamento fúnebre para abordar a questão que aos olhos de Yahweh Saul estava morto, observamos que o ato de lamento dava-se em meio a gritos agudos e repetitivos, ao que Ml. 1,8 comparou ao chacal ou avestruz. Esta perspectiva retrata apenas uma consideração, entretanto chamou-nos muito a atenção, nos despertando para futuras pesquisas sobre os lamentos fúnebres no AT.

Continuando a pesquisa sobre ritos fúnebres uma inconsistência textual nos fez averiguar algo ultrajante aos judeus, uma vez que era inconcebível a cremação dos mortos, pois enquanto existissem ossos a alma subsistiria na concepção judaica[1]. Tal prática era comum de outros povos da época, principalmente em ritos fúnebres de reis. E esse fato causou-nos estranheza, pois em (1 Sm 31,12) após a morte de Saul e seus filhos, os habitantes de Jabes-Gileade tiraram seus corpos dos muros, queimaram e somente depois enterram suas ossadas[2]. Parece-nos esta uma infração grave.

Com relação à passagem que Jessé envia Davi a Saul temos observações mais no âmbito da curiosidade do que de fato hermenêuticas. Nas traduções existentes em língua portuguesa, duas palavras se fundem: wughediy e um  izuym. Sendo estas traduzidas por “um cabrito”. Todavia, como observamos acima, são duas palavras distintas, a primeira fazendo menção a um filhote, portanto um cabrito, enquanto a segunda palavra demonstra uma fêmea adulta, ou seja, uma cabra. E qual a relevância de tal afirmação para o texto? Poderíamos nos perguntar neste momento.

A questão está no cuidado que Jessé teve para com Davi. Isto nos mostra um pouco da figura desse pai que é citado superficialmente. Levemos em consideração que Davi deveria ir de jumento e que tal transporte demanda tempo. Devemos também imaginar as condições climáticas e de pavimentação, ou seja, terra batida. Assim, Jessé preparou o filho para a longa viagem, dando-lhe pão, e vinho, que acabariam primeiro e posteriormente uma cabra, com seu cabritinho, uma vez, que a fêmea só produz leite enquanto seu filhote não é desmamado. Dessa forma, Davi teria leite e ainda poderia fabricar queijo e quando ao palácio chegasse ainda possuiria um suvenir para dar ao rei.

O fato de ter deixado por último a Davi, quando de sua unção levanta-nos duas possibilidades: a primeira seria o cuidado de Jessé para com Davi seria este frágil? Por que tanto zelo ao enviá-lo ao rei, já que anteriormente esquecera-se de levá-lo a presença de Samuel? Ou a segunda alternativa que seria a “anomalia”, ou melhor, por ser “rosado”, diferente dos demais de sua tribo, talvez Davi que causasse vergonha a Jessé e este ainda poderia temer que seu filho sofresse preconceito.

Ainda sobre Davi e suas tradições, concordamos com Donner, de que Davi provavelmente já atuava de certa forma como miliciano no Sul nos tempos em que Saul era rei no norte e que o encontro dos dois se daria não mediante a corte, mas no evento de Golias.


Certamente, se pode ponderar que na época do reinado de Saul, Judá já se encontrava nas mãos de Davi, que havia fundado um reino judaíta independente em Hebrom...essas reflexões parecem consolidar a suposição de que o sul judaíta da Palestina não tenha pertencido ao reino de Israel sob Saul (2 Sm. 2,8)[3]

A nosso ver Davi já vinha atuando com um exército e ajudando a Aquis, no sentido de aprender a respeito das investidas militares dos filisteus e de certa forma estar perto de seu inimigo. Assim, Davi ia tomando conta da rota de comércio e somando riquezas.

O capítulo 1 Sm 17 vem entrecortado de questões duvidosas.Saul não conhecia Davi embora em nossa perícope o mesmo fosse seu carregador de armas do rei. E se assim fosse porque o mesmo não estava junto ao exército?


Nos versículos 52 e 53 vemos que Israel e Judá estavam juntos na peleja: Então, os homens de Israel e Judá se levantaram, e jubilaram, e perseguiram os filisteus, até Gate e até às portas de Ecrom. E caíram filisteus feridos pelo caminho, de Saaraim até Gate e até Ecrom. Então, voltaram os filhos de Israel de perseguirem os filisteus e lhes despojaram os acampamentos.
Houve ainda, em Gobe, outra peleja contra os filisteus; e Elanã, filho de Jaré-Oregim, o belemita, feriu a Golias, o geteu, cuja lança tinha a haste como eixo do tecelão. (2Sm 21.19).[4]

Nossa perícope retrata uma tentativa de mostrar Davi ante a corte de Saul, mas tal fato provavelmente deve ter ocorrido somente posteriormente, quando Saul almejando ficar mais próximo desse homem que estava agradando o povo, deu sua filha Micol em casamento a Davi, no propósito de manter seu inimigo por perto.

Logo a peleja relatada em 1 Sm 17, segundo nossa perspectiva, aconteceu da seguinte forma:  Os filisteus ameaçavam o reino do Norte (Saul) entrando em Socó, ou seja Judá. Davi ao ouvindo falar da peleja foi ao encontro de Saul não para ajudá-lo, mas para defender suas próprias terras (Sul).

Ao chegar lá começou uma guerra corpo a corpo. Elanã, braço direito de Davi, matou  Golias e Davi cortou-lhe a cabeça, entrando em Jerusalém a empunhando. O povo ao avistar a cabeça de Golias nas mãos de Davi começou a celebrar o filho de Jessé e não ao rei Saul. A partir daquele momento Saul então percebe a ameaça que Davi representava para ele. E por tal motivo perturba-se. Pois que rei não ficaria perturbando ao perceber seu reinado ameaçado? E isto não significa dizer que tal soberano encontra-se possesso, mas apenas amargurado, depressivo e apreensivo.

Estas foram questões que no decorrer da pesquisa se apresentaram. Percebemos mediante o texto que Saul não era tão ruim como o texto pretende mostrar. Era apenas um homem que se viu prestes a perder o trono para um jovem que vinha conquistando o apoio dos anciãos do Sul.

A exegese levantou também questões pertinentes a Davi, não estando este na corte de Saul, mas como um miliciano que vinha nos tempos do reinado de Saul conquistando terras e a confiança do povo.  Assim a imagem do Davi pastor, tocador de harpa e frágil, perde lugar para um Davi de guerra, homem de sangue. Contudo, isso em nada modifica o fato de tanto Saul quanto Davi terem sido escolhidos e usados para os propósitos de Yahweh.




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[1] VAUX, R. op.cit, p. 80-85.
[2] Passim.
[3] DONNER, História de Israel e Povos vizinhos, v.1,São Leopoldo, Sinodal:1995. 221.p.

[4] Bíblia Almeida Revista e Atualizada.

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